Segunda-feira, 17 de Março de 2008

Anorexia - "Um espelho cego"

A anorexia é um “salto de Ícaro” – a dada altura, a adolescente dá um salto em direcção a uma auto-afirmação e autonomia, mas este é acompanhado muitas das vezes por intensas necessidades de regressão. Tal perturbação torna-se evidente, em regra, na transição da pré-adolescência para a adolescência e é mais frequente nas raparigas do que nos rapazes.

A adolescente controla, por um lado, o que come, numa afirmação megalomaníaca de autonomia e oposição aos mandatos familiares; e por outro lado, obriga o corpo a involuir para uma fase infantil, regressando ao período de latência. A adolescente sente um intenso medo do crescimento e da idade adulta, com todas as suas dimensões, incluindo a sexual.

As formas femininas vão desaparecendo, acabando a jovem por ficar com um aspecto cadavérico, que, mesmo assim, é sentido pela adolescente como uma insatisfatória aproximação do seu ideal corporal. Assim, as consequências somáticas da anorexia são várias: magreza, rosto pálido e pele cinzenta, olhar vazio e sem brilho, olhos encovados e olheirentos, queda de cabelo, amenorreia, hipotensão, anemia e gastrites.

As adolescentes anorécticas foram geralmente crianças muito dependentes do meio familiar, “meninas-modelo”, perfeccionistas, conformistas, indo sempre de encontro às expectativas dos pais e procurando agradar. O ideal de perfeição está presente a todos os níveis.

Segundo alguns autores, as restrições alimentares podem começar na sequência de um choque emocional ou de conflitos psicológicos mais ou menos evidentes, mas quase sempre aparecem progressivamente e sem causa aparente. Inicialmente, estas restrições alimentares não são preocupantes e aparecem como condutas normais. Quando os pais se apercebem da gravidade da situação, já a anorexia está perfeitamente instalada e adolescente encontra-se já numa fase de involução, sem se preocupar com as suas restrições.

Os problemas em relação à comida instala-se a diferentes níveis na família - a anoréctica nega a anorexia e a extrema magreza, centrando toda a sua vida ao redor da dieta e do corpo; do lado da família, é muito difícil para uma mãe aceitar que a filha morra de fome – foi a comida o primeiro elo que se estabeleceu entre o bebé e a mãe. Assim, os pais tentam obrigá-la a comer, mas a adolescente ou jovem afirma que se sente bem e a sua actividade continua num nível que raia a hiperactividade motora e intelectual mas numa fase final, podem aparecer tendências depressivas e alguma angústia.

Paralelamente, as relações familiares vão-se degradando e vão-se gerando conflitos. Por um lado, as expectativas dos pais em relação à filha eram muito altas e foram “brutalmente” desiludidas; por outro lado, a adolescente vive na defensiva, centrando-se num jogo familiar em que tudo gira à volta da comida.

A comunicação centra-se na alimentação e é paradoxal. Por um lado, com o seu comportamento, a anoréctica provoca a intervenção do meio familiar, por outro lado, recusa ser ajudada, ser cuidada, ser reparada. As relações sociais também se degradam e as relações amorosas são evitadas ou, quando existem, são extremamente superficiais.

Toda a vivência relacional é conflitual e a realidade está perfeitamente deturpada em termos de corpo e alimentação.

A abordagem terapêutica deve ser sempre feita a dois níveis – físico e psicológico. Para se libertar desta procura de auto-destruição, a adolescente ou jovem tem que aprender a aceitar-se a viver, a ter prazer e a relacionar-se com os outros.

 

Psicóloga Clínica Carolina Rodrigues às 17:55
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Sábado, 15 de Março de 2008

Psicossomática – Quando o corpo chora as lágrimas que não são choradas no coração

Em todas as doenças existem factores de ordem psicológica: a pessoa pode estar mais ou menos vulnerável ao aparecimento de doenças e a ausência de respostas emocionais/afectivas proporciona mais facilmente essa vulnerabilidade. Quando as pessoas têm muita dificuldade em expressar emoções verbalmente, vão fazê-lo através do corpo.

Existem doenças que são desencadeadas após situações de perda afectiva.

Algumas pessoas não se dão conta da perda de afecto, o que leva à emergência de uma Depressão Falhada ou Depressão sem Depressão. Só a parte física é que reage, não há consciência da perda, logo essa falta de afecto não é representada, dando lugar a um vazio. Contudo, como existe um marco inconsciente, assiste-se à emergência da doença física ou perturbação orgânica. Na depressão falhada não há uma depressão psicológica mas há todas as características físicas da depressão (cansaço, falta de energia, sonolência, etc).

Nestas pessoas, a esperança é quase nula, por isso têm poucos projectos, não criam fantasias e não têm um sonho projectado. A isso chama-se Sonho Falhado (não existe propriamente o sonho na vida – a vontade de concretizar um determinado projecto). Vivem muito centradas no presente e têm receio de criar expectativas e projectarem-se no futuro. Sentem falta de esperança e os poucos projectos que têm são levados de forma passiva. Tendem a ficar submetidas às regras, fazendo o que os outros fazem, sem viverem de acordo com as suas vontades - “Não vivem, estão”, porque há poucos estímulos internos. Estas pessoas vão vivendo de acordo com os acontecimentos. Passam a vida a preencher necessidades, mais do que a viverem e desfrutarem dos prazeres, pois não sentem interesse em fazerem as coisas, “fazem por fazer”. Deixam-se levar pelas rotinas que se espalham pela vida. Há um sentido inconsciente da falta, pois como não se alimentam de afectos, vão desistindo facilmente de tudo – há perda de interesse.

Por outro lado, como a pessoa não tem consciência da falta não sente raiva, zanga, nem revolta contra o seu mundo, suas vivências, relações, pois tudo isto não é encarado como maligno (raiva falhada). Por ventura, quando há alguma consciência desta falta, existe esta raiva ou zanga virada para o próprio, metida para dentro. Outras vezes, a raiva também não é dita nem exercida e a pessoa é impossibilitada de exprimir os seus sentimentos de frustração e revolta (raiva amordaçada).

Deste modo, a psicossomática aparece como um distúrbio ligado ao corpo, ou aos cuidados do corpo em pessoas que tendem a não reconhecer as suas emoções.

Muitas vezes, manifesta-se em quedas de cabelo, seborreia, amigdalites, herpes, eczema, dificuldades respiratórias, asma, distúrbios da alimentação, alergias, etc.

As crises psicossomáticas surgem quando existe uma ruptura, uma percepção vaga de que lhe falta algo essencial. É neste momento que a pessoa tende a desistir de tudo o que a rodeia. A pouca esperança desaparece e a pessoa sente-se completamente sozinha. O pensamento é do tipo: “estou sozinho, ninguém gosta de mim”, logo opta por desistir.

No plano psicoterapêutico é necessário trabalhar a parte afectiva e relacional, de forma a restabelecer a esperança. É preciso levar a pessoa a perceber a linguagem ligada às emoções, reconhecê-las e expressá-las. Deve-se expandir o campo simbólico para que o pensamento se torne mais rico e menos mecanizado. Para além disso, ao longo da relação terapêutica desenvolve-se e estimula-se áreas do pensamento que não foram investidas anteriormente.

À medida que este trabalho é feito, as crises psicossomáticas tendem a ser menores e os sintomas corporais acabam por ir desaparecendo gradualmente.

 

Psicóloga Clínica Carolina Rodrigues às 19:32
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